De olhos vendados, preso na cadeira
podia ouvir os barulho do silêncio.
Na mente, tudo escuro
em volta, paredes sem portas e janelas.
Tudo branco.
Com muito esforço em vão, a voz me falhava
As mãos atadas.
Abandono.
Faziam dias, meses, anos..
Por quanto tempo estive lá?
Por quanto tempo estaria?
Sozinho.
Mas alguém observava.
Medo.
Ele estava sempre lá? Por quê?
Por que não ia embora?
Coragem.
Quando minhas mãos se soltaram
meus olhos podiam ver o branco desaparecer
e muitas cores me abraçavam.
Havia música e alívio.
Uma linda música me contagiava e o embalo fazia esquecer a agonia
tudo dançava ao meu redor: mesas, cadeiras, armários.
E cantavam uma melodia de prazer..
Quando no alto, de súbito, podendo ver tudo de cima de uma nuvem no céu,
eu pulei e cai. Cai infinitas vezes..
Caindo.. Caindo.. e não parava de cair.
O frio congelante era de cortar a pele.
Por horas, horas caindo numa imensidão branca..
E nada.
Um nada absoluto que devorava o resto de lucidez que sobrara
Caindo numa velocidade desumana.
Até mesmo o terror era frio.
Parado no nada..
Eu corria, corria rápido, cada vez mais depressa.
Seria a mais asquerosa companhia pior do que a do nada?
Vazio.
Nem um grão de nada.
Nem uma parede para se encostar, nada.
Horas a fio, esperando nada acontecer.
Um torpor, um cansaço.
De repente a luz branca que antes cegava se afastara
E uma mão delicada que me levaria ao desconhecido aparecia
Limpava meu rosto, minhas feridas.
Me acalmava o amor.
Era tudo lindo, e a música nostálgica voltava a tocar
Dancei.
Estaria eu livre?
Era bom, era muito bom.
Quando de trás para frente a música começou a tocar
revelando mensagens ocultas, subliminares apareciam
vozes que chamavam, zumbidos que atormentavam..
A mão delicada apodrecia e caia como pó
e deixava ser levada pelo vento.
Quando acordei.
Ainda sentado, vendado e atado no mesmo lugar.
Baseado em A mancha de Luis Fernando Veríssimo, onde relata histórias da ditadura militar.